Cada tristeza é um aniversário.

Trinta e poucos anos. A melhor idade tanto para subir na vida como para cometer um suicídio. Aos trinta e poucos anos você atinge um estágio sublime, em que fica pendurado no céu da vida por finas linhas de esperança e rancor. Acredito eu que, se os anjos existirem, Eles também possuem trinta e poucos anos. Nada de crianças ou adolescentes com nomes cafonas andando pelados pelas nuvens. Presos num estado letárgico em que o futuro é só saudade. Saudade do futuro que tínhamos quando a única vontade era crescer, crescer, crescer, e o objetivo de todo mundo quando se é criança é crescer até alcançar as nuvens. E quando a gente cresce até alcançar as nuvens, ninguém mais pode nos ver, nos ferir ou nos puxar pro abismo ou pra goela de baleias. Ninguém mais pode dizer que não somos capazes ou que somos pequenos demais para sermos amados porque querem nos amar e não porque precisam nos amar. Existe uma grande diferença, uma diferença que nos assusta, e ela mora dentro de todos os armários do mundo. Aos trinta e poucos anos, você não pode mais dormir com a sua mãe, não deve mais (aos cinco você pode correr pro quarto dela quando tem um pesadelo. Aos trinta, pode, mas não deve, ainda que o pesadelo continue o mesmo, tanto aos cinco quanto aos trinta, e a mãe também continue a mesma, ou quase), e a sensação de prazer, de vergonha e o raciocínio lógico faz você adormecer mais rápido. Mas os monstros, as diferenças e as dúvidas continuam lá. Você é que se tornou um deles. O monstro embaixo da cama de todo mundo é aquela coisa que quer que você continue sendo visto enquanto faz xixi na cama, quando na verdade você quer crescer, crescer, crescer, até atingir as nuvens, e nunca mais ser visto. Quando você ainda é pequeno e tem um futuro inteiro pela frente, um futuro que não é só saudade, você tem que ser amado. É a obrigação dos seus pais, seus responsáveis, seus tutores, etc. Mas uma criança consegue sobreviver mesmo sem ser amada, verdadeiramente amada. Basta dar comida, educação e dinheiro, essas coisas básicas que nunca tem a ver com amor. Ela também pode sobreviver na rua, é claro, desde que tenha comida e muita raiva no peito. Mas quando você cresce, cresce, cresce, mas não cresce o suficiente, cresce só até chegar aos trinta e poucos anos, se você não for amado, se ninguém mais possui a obrigação de te amar, tudo bem. Se você tiver comida e dinheiro, a vida segue, o mundo te aceita. Aos trinta e poucos anos você sobrevive, chorando baixo numa fábrica qualquer, questionando as próprias lágrimas, com medo de que seu chefe descubra, mesmo sabendo que ele também não se importa, desde que você produza, porque se você produzir, ele te dá dinheiro, e você pode comprar sua própria comida. Assim, ele vai cumprir a obrigação de chefe dele também. E por mais triste que seja, ele também cumprirá a obrigação de fazer com que você se ame. Você se ama ao ganhar dinheiro e se alimentar, mas não percebe isso, porque o amor próprio é uma necessidade, e o fato de respirar também, mas você não percebe. Você se ama ao se manter vivo e visto até os trinta e poucos anos, você se ama sozinho, pendurado por finas linhas de esperança e rancor, observado por todo mundo e ao mesmo tempo enxergado por ninguém, sentindo um medo inexplicável do futuro, que é só saudade, saudade do tempo em que, pensávamos e sabíamos, a vida se encerrava aos trinta e poucos anos.

Esse post foi publicado em Sem categoria. Bookmark o link permanente.

Uma resposta para Cada tristeza é um aniversário.

  1. Esperando sua percepção sobre os quarenta e poucos anos…

    Curtir

Deixe um comentário